Vicente foi um dos maiores jogadores de futebol de Abaetetuba de todos os tempos. Uma verdadeira lenda, dizem quem o viu jogar. Um caso raro de quarto-zagueiro que virou atacante. Foi o terror dos centro-avantes daquele final dos anos 50 e durante toda a metade da década de 60. Resolveu que chegara a hora de infernizar a vida dos defensores adversários. Fez sucesso nas duas posições. Vestindo a camisa do Abaeté Futebol Clube conquistou títulos. Era inevitável que chegasse à seleção abaetetubense. E isso naqueles tempos era um feito. Até então, Abaetetuba era um celeiro de craques. Vicente recorda: "o treinador tinha uma baita dor de cabeça, tendo 25 jogadores, cada um melhor que o outro. Todos em condições de ser titular". Os abaetetubenses eram praticamente imbatíveis nos campeonatos intermunicipais. Vicente era nome certo nas convocações. Jogou tanto na época do Crisantinho quanto na era do Dinaldo, monstros sagrados debaixo do gol. Formou equipes memoráveis ao lado de Piranha, Afonso, Filhinho, Batista, Florisvaldo, Fortunato, entre tantos outros. Logo chamaria a atenção de um clube grande. E não deu outra.
No auge da carreira, Vicente um dia recebeu a visita de um dirigente do Clube do Remo. Imagina vestir a gloriosa camisa azul-marinho? Não falo desse Leão de hoje que, ao lado do Papão, não dá orgulho em ninguém. Falo dos verdadeiros esquadrões formados pelos dois maiores rivais do futebol paraense naquele final dos anos sessenta. E Vicente tinha lugar nesses elencos. Tanto que chegou a atuar profissionalmente em uma partida do Remo contra o Ceará Sporting. Tinha futuro. Isso era opinião unânime de quem sabia diferenciar um atleta habilidoso de um perna-de-pau. Mas...
Vicente ri da decisão que o tirou da rota de êxitos nos gramados. Treinava no Baenão. Mas sua cabeça estava sempre na sua querida Abaeté. "Nos fins de tarde, batia uma saudade imensa do pessoal, daquela bandalheira toda", recorda o zagueiro/atacante. E como pensava na bicicleta que deixara guardada em casa, sob os cuidados do pai, o "seu" Teobaldo Maciel! Isso no tempo em que viajar para Abaeté não era tão fácil quanto hoje. No natal de 1968, 1969, por aí, os jogadores viajariam para as folgas de fim-de-ano. Vicente resolvera dar a si mesmo um presente de papai noel. Foi a uma loja da capital, onde gastou parte do salário comprando enfeites para a sua bicicleta. "Caprichei mesmo, porque quem tinha bicicleta naquele tempo, era como se tivesse um carro". Veio feliz da vida para a terra natal. Só quem morou em Belém, principalmente em meio a dificuldades, sabe como era contar nos dedos o passar do tempo para o retorno à cidadezinha às margens do Rio Maratauíra. Vicente não poderia estar mais feliz. "Imagina o cara com uma bicicleta e sendo jogador do Remo...". O jogador de futuro certo na profissão veio. E não voltaria!
Vicente saía orgulhoso com a bicicleta toda paramentada. Era o cara! E como ficava empolgado com os olhares da mulherada! Nem sabia mais se olhavam para o cara da bicicleta ou para o atleta do "Filho da glória e do triunfo". O tempo foi passando. Dia primeiro de janeiro, dia dois, três. E nada do retorno à capital. Os dirigentes, impacientes, resolveram saber o porquê daquela folga infindável. Já era o dia treze de janeiro. Vicente, então, mandou o recado: "Não volto mais para o Remo!!!". Como assim?-perguntavam-se estupefatos os cartolas remistas. Salário em dia, boas condições de treino, toda a estrutura necessária na capital. Ninguém entendia nada. Nem nunca entenderiam.
-Não dava mais- sentenciou décadas depois um Vicente que parece não se arrepender da decisão. "Imagina um cara com a minha idade naquele tempo com uma bicicleta...". A frase não continha mais um outro fator de orgulho: "...E sendo jogador do Clube do Remo".
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