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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A MENINA QUE NÃO VIU A LUZ DO SOL

Dezembro de 2005. Chegava ao fim uma breve existência marcada por um imenso sofrimento. Naquele leito de hospital a adolescente de 14 anos deve ter imaginado que ali encontraria, finalmente, a paz. Três anos antes, esquálida, a menina pobre saia da zona rural de Abaetetuba para receber, em Belém, a notícia de que seu problema tinha um nome: desnutrição. No atendimento psicológico, acabara revelando a angústia que devia lhe ferir fundo na alma. Não se alimentava direito porque não conseguia entender o motivo de ter sido violentada sexualmente. Era apenas uma criança. Passou por uma bateria de exames. O pesadelo estava começando: era portadora do vírus HIV, segundo a avaliação mais imediata possível. Eis o motivo do aspecto cadavérico, concluiram os especialistas. Passou a receber os pesados coquetéis de medicamentos para a doença. O organismo, que sucumbia aos problemas cardíacos, ganhava novos ataques ferozes. Dois anos se passaram. A adolescente pobre não apresentava nenhuma melhora. Nova avaliação médica: ela não tinha, nem nunca tivera o vírus da aids. E tinham se passado dois longos anos de exposição às drogas pesadas da medicação para esse mal.
Antônia Mesquita da Silva. Esse era o nome da adolescente que parecia fadada ao sofrimento. A notícia de que não possuia uma doença altamente letal deveria ter sido festejada. Tarde demais: em um dos muitos dias que passara na ala reservada aos portadores do vírus HIV no Hospital Barreto Barreto, na capital paraense, acabou violentada por um paciente soropositivo. Como pode ter isso acontecido numa instituição onde o estado deveria garantir a integridade de seus internados ? À falta de maiores explicações, seria preferível livrar-se, pelo menos fisicamente, do quiprocó que isso causaria. -Mandem a menina de volta pra casa! -deve ter bradado algum chefe assustado. Sem entender direito o que se passava, a famíla humilde pelo menos poderia, agora, levá-la para o lar. Dois dias depois, Antônia morria.
O emblemático episódio de negação dos direitos humanos do qual a menina paupérrima de Abaetetuba foi protagonista é um péssimo exemplo a ser superado. A sucessão brutal de erros não cabe em cabeças minimamente esclarecidas. Desse inconformismo com aberrações que atingem, principalmente, os que pouco ou nada podem reclamar, surgiu a ideia de se constituir uma entidade que se prestasse a promover cidadania, fazer valer os direitos humanos, lutar para que políticas sociais não sejam sinônimos de apadrinhamento de quem é da "turma". E um processo nesse sentido já foi iniciado.
Na quinta-feira (22), um grupo de pessoas esteve reunido para dar a largada ao projeto de criação de uma associação sem fins lucrativos. Entre os princípios, estão fazer valer os direitos constitucionais do cidadão, independente de sua posição social; garantir que os direitos humanos, na sua concepção de justiça e igualdade, saiam dos papéis burocráticos e dos discursos. A nova ONG vai além: promete lutar por temas pontuais, como a preservação do meio ambiente, valorização e preservação da cultura e muitos propósitos. A constituição legal da entidade virá, logicamente, precedida da escolha de um nome que represente o espírito de doação, compromisso e rspnsabilidade total com os ideias propostos no arremedo de estatuto apresentado. No páreo, uma singela homenagem: Centro Antônia Mesquita. A menina que continua, mesmo post-mortem, vítima dos desenganos sociais. Até hoje, o processo que apura as responsabilidades pela situação a que Antônia foi exposta continua dormitando em alguma gaveta do poder judiciário.

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