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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

UMA HISTÓRIA DE AMOR ÀS LETRAS E AOS IDEAIS

Por Naldo Araújo

Naquele distante final de fevereiro de 1905, os leitores de Abaeté ganhavam uma novidade em termos de jornal. Havia algo de diferente. Nada de textos laureando este ou aquele político ou comerciante poderoso, como era a prática recorrente das gazetas daquela época. Este, não. A independência de credos políticos e religiosos confirmava-se à primeira leitura. Os donos de engenho não deviam gostar nem um pouco daqueles discursos de lutas operárias, que já varriam a Europa e chegavam aos mais longínquos rincões da Amazônia. Tudo vindo pelos vapores, trazendo “uma onda de novas idéias e modismos para a região”, conforme observou o naturalista Harry Bates.
Numa dessas viagens, aquele homem cheio de idealismos desembarcava no porto de Abaeté. Passou tanto tempo fora e agora retornava casado. Assim como a esposa, ele também era bastante conhecido nos meios políticos e literários. Decidiu que era hora de continuar sua missão, dessa vez, na sua terra natal. Foi assim que, naquele comecinho de século XX, deu á luz O Progresso. O casal Arthunio Vieira e Emília Freitas sempre tivera as letras como tribuna de discussão e debate de idéias. Ele, integrante de um célebre grupo de intelectuais proletários, que militou no Pará até meados do século passado. Foi tipógrafo, jornalista, poeta, romancista, teatrólogo, ensaísta, ator, pintor, cenógrafo, entre tantos outros predicados. Ela, uma verdadeira mulher de vanguarda. “Uma das principais escritoras de seu tempo’, definiu a maior pesquisadora do assunto, Constância Duarte. Emília era jornalista, educadora, militante da causa abolicionista e de entidades que discutiam a situação da mulher na sociedade. Eis o segredo daquele jornal diferente.
Enquanto a oligarquia rural mantinha os incautos negros numa espécie de semi-escravidão, Arthunio e Emilia lançavam notas comemorando o 13 de maio, data tão cara aos abolicionistas. Enquanto a Igreja católica repelia qualquer acinte à sua autoridade, O Progresso divulgava a doutrina espírita. “Uma vez a tia Anica perguntou a frei Simão. Ele disse que não fosse, que aquilo é cousa do cão”. Enquanto a sociedade patriarcal remexia-se com o simples fato de uma mulher ter seu nome estampado em expediente de jornal, Emília divulgava sua mais conhecida obra: “A rainha do Ignoto”, um verdadeiro manifesto contra a opressão feminina. E os avanços? Em editoriais, a visão de futuro. Por que Abaeté deveria continuar sob a tutela jurídica de Igarapé-Miri? perguntava-se naquela edição de 18 de junho de 1905. Tal situação não deveria sustentar-se já que em um belo dia “uma canoa foi a Belém em horas de viagem, cortando a baia de Marajó, não fazendo rota por Igarapé-Miri. Data d’ahi a nossa maioridade, data d’ahi a nossa vida própria e o nosso progresso”. Muitas foram as solicitações por melhorias, seja implorando por aberturas de estradas, seja pedindo a “constituição de uma empreza que encarregasse de illuminar a cidade por gaz accetylogenio”, substituindo os velhos lampiões.
Arthunio e Emilia deveriam fazer parte de nossos relatos orgulhosos de personagens que fizeram a diferença. Mas mantivemos daquela época o pensamento provinciano. A escritora cearense, precursora do romance psicológico no Brasil, deixou o porto de Abaeté em meados de 1908, para nunca mais voltar. Morreu em Manaus, no dia 18 de agosto daquele mesmo ano. Integra o panteão das escritoras brasileiras que marcaram toda uma geração. Nossa história, em particular, nunca lhe dedicou uma vírgula. O escritor , emoldurado para sempre na história da imprensa do Ceará e de Pernambuco (onde publicou quase vinte periódicos), ainda teria sua presença relatada por aqui três décadas depois, sempre fundando jornais. Nada mais do que isso. Acabou esquecido pelos próprios conterrâneos. Como nos ensina Soren Kierkegaard: “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”

Um comentário:

  1. Naldo, me agrada muito o resgate da história política e social de Abaetetuba. Os livros publicados sobre Abaetetuba abordam o folclore, seus mitos e o rico e exótico linguajar. Creio que um livro com a linha de abordagem que você faz resultaria em um produção muito interessante. Pense seriamente nessa possibilidade.

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