DO BEM QUE O ARTESANATO DE MIRITI NOS FAZ

Todo mundo fala no brinquedo de miriti. E logo vem o complemento: "de Abaetetuba". É uma relação de criador e criatura tão umbilical que até parece redundância. Afinal, foram os nossos caboclos abaetetubenses os criadores dessa arte popular que, com o passar do tempo, virou símbolo do Círio de Nazaré e foi além. Hoje, é um produto até de exportação. E aí, surgiram os genéricos. Um dia, um pessoal da Globo veio ao Pará e mostrou o brinquedo de miriti...de Ananindeua. Tem também os brinquedos da periferia de Belém, e por aí vai. Não vale. O miriti é nosso. Agora, de fato e de direito.

Um seminário realizado hoje em Abaetetuba foi mais um passo para que o município conquiste a tão almejada indicação geográfica do artesanato miriti, ou seja, quando se falar em brinquedo de miriti, do legítimo mesmo, estará se falando em Abaetetuba. Quando todo esse processo estiver concluído, só aos artesãos do município será permitida a utilização de um selo de origem, conferindo a autenticidade do produto. Tudo protegido por uma lei de propriedade intelectual.

Nos discursos que pontuaram a abertura do seminário todos estavam de alguma forma emocionados, da prefeita aos diretores do Sebrae; dos representantes dos governos federal e estadual aos artesãos. Estavam todos ali participando de um processo histórico. Do instante em que Abaetetuba recebe o reconhecimento que é seu, concedido, antes de tudo, pela história. Dos tempos em que os artistas saiam daqui rumo à capital em tempos de círio de Nazaré, viajando em canoas a vela carregadas de cobrinha, tatu, soca-pilão e uma inifinidade de objetos simples e, naquela época, rústicos.

Hoje, não. A arte ganhou um melhor acabamento. As peças ainda são multicoloridas, mas agora com uma harmonia de cores. A produção e distribuição estão mais organizadas. As relações comerciais ficaram mais estabelecidas. Há mercado o ano inteiro. Só não mudam os processos de criação e concretização de formas e modelos. Permanecem como uma empresa familiar, promovendo o ajuntamento de pais, filhos, mulheres e toda sorte de parentes numa arte que transborda dos ateliês improvisados para todos os cômodos da casa. Arte que agrega ao resultado final muito mais do que o lucro. Promove o ganho social, no momento em que Abaetetuba alcança as manchetes pelo que tem de melhor. E colabora para exemplos edificantes de capítulos pessoais. Estão aí os inúmeros relatos de quando o artesanato de miriti mudou vidas... construiu novos caminhos.

Um dos maiores expoentes contemporâneos do artesanato feito da bucha do miritizeiro, Valdeli Costa discorria sobre o papel dessa atividade em sua vida, contribuindo para livrá-lo das drogas e do álcool. Lá pelas tantas, falando de uma reunião em que, pela primeira vez, os artesãos foram instados a aceitar uma produção em larga escala, Valdeli revela que chegou a rezar para que alguém ali do grupo desse um "sim" como resposta. Coube ao artesão conhecido como Diabinho dar a palavra final. E, a partir daquele dia, a nossa mais autêntica arte ganharia novos ares. Aí, o artesanato de miriti produziria um célebre milagre, no dizer de Valdeli:

-Foi Deus quem iluminou o Diabinho naquele dia...