PROGRAMA NALDO ARAÚJO, TODO SÁBADO AO MEIO-DIA NA RECORD CANAL 9

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O DIA DO BIBELÔ

Naldo Araújo

Bibelô. Esse é o nome do cara. Em tudo se parece com o pai, o mais famoso carregador da beira, como é chamada a nossa feira livre de Abaetetuba. Isso mesmo, ele é filho do Giz. Um é a cópia do outro. Negros, altos e esguios. Ambos carregam a contrariedade típica dos apelidos que o povo daqui costuma eternizar. O que seria mais alvo que bibelô e giz? O pai nem precisa mais de apresentações. O filho acabou de entrar definitivamente no rol dos casos folclóricos.
Tudo aconteceu nas primeiras horas da manhã do último sábado. Bibelô conseguia seu primeiro carreto do dia. Um senhor de meia idade o incumbiu de levar a encomenda até um determinado local no bairro do Algodoal. E lá se foi Bibelô, com suas passadas desengonçadas num corpanzil de dimensões etíopes, conduzindo dois porcos parrudos no velho carro de mão. Crescera no ofício e não se importava com a gritaria suína. -Vou ganhar meus primeiros trocados - calculava o carregador de quase dois metros de altura. Bastava seguir as orientações do dono dos animais, que já tinha seguido na frente, de bicicleta. Mas aquele não seria um dia comum para o filho do Giz.
A viagem seguia tranqüila. Pelo menos para Bibelô. O dono dos porcos, no entanto, já sentia na pele que aquele seria um sábado dramático. O idoso nem bem havia chegado em casa e ao dar o primeiro giro da chave na fechadura, sentiu o cano do revólver na cabeça. –Passa a grana!- sentenciou um dos gatunos. O outro pilantra ficara vigiando o movimento lá fora. Tudo foi muito rápido. A dupla de assaltantes nem percebeu que um negro alto se aproximava. Bibelô, serelepe, foi logo fazendo gaiatice:
-Taqui, patrão! Vamo agora pro acerto?
Entre assustado e raivoso, o assaltante armado não teve dúvida: mirou na direção do pobre carregador e... bang!
Um tiro. Um miserável tiro. Certeiro. Atingido à altura do umbigo, Bibelô desabou. O corpo inerte. Silêncio. Assustados, os meliantes deram no pé. Veio o socorro. O filho do Giz estava sendo levado para o Hospital de Santa Rosa. Um miserável tiro de revólver calibre 22. Logo, a numerosa família seria avisada. Com certeza, a infalível rodada dos torneios de domingo do Campo do Tietê teria de ser suspensa. A tristeza era inevitável. Rapaz honesto, trabalhador, craque de bola, amigo de todos. Como poderia ter acabado daquele jeito? Um tiro certeiro bem à altura do umbigo.
Ao chegar ao hospital, os médicos trataram logo de retirar as vestes do carregador. Era preciso conhecer a extensão dos estragos da bala. Bibelô ali. O corpo inerte. De repente, o médico examina mais detidamente, dá de ombros e fuzila:
-Ei rapaz, levanta daí!!! Ei, rapaz, levanta daí!!!- repetia o doutor impaciente, cutucando, agora com mais veemência, as costelas do filho do Giz.
Bibelô levantou. Abriu a braguilha da bermuda branca. E viu: o tiro foi, mesmo, certeiro à altura do umbigo. Mas no caminho da bala havia uma carteira porta- cédulas. Isso mesmo. A bala acertou a porta-cédulas. Não é mentira que o carregador tenha caído inerte depois do tiro. Nunca Bibelô havia desmaiado de susto. Nunca apagara tão completamente. E branco feito uma cera, Bibelô nunca se pareceu tanto com um...bibelô.

Nenhum comentário:

Postar um comentário